quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009
Se te queres matar, porque não te queres matar?
Os dias iam passando, que é o que fazem os dias... O Miguel – o outro, o meu amigo (um aparte: na ficção, quase nunca há duas personagens com o mesmo nome, a menos que seja para tarde ou cedo gerar um engano rico em consequências dramáticas. Na vida real, por outro lado, o número de nomes distribuídos parece ridiculamente pequeno: uns bons 50% das raparigas que conheço chamam-se Ana; Miguéis, somos mais que as mães... olha, rimou) passou por minha casa e deixou-me, a conselho da irmã, médica (outra das raras não-Anas), uma caixa de comprimidos de valeriana (500mg) de comprovados efeitos ansiolíticos. Atirei-me a eles como um lobo; funcionavam. Comecei a dormir outra vez, a conseguir sair de casa sem ter de me apoiar em paredes, corrimões, sinais de trânsito e carros estacionados para não desmaiar. No Dia da Fruta, o Sr. Jorge achava-me melhor cara (mas continuava a deitar-me olhares furtivos para ter a certeza de que eu não lhe caía redondo no estabelecimento); no Minipreço, já não metia conversa com os clientes e as meninas da caixa; na rua, já não falava sozinho em voz alta (pelo menos era o que me parecia). A coisa compunha-se. Fui ao Maló para a primeira de muitas e financeiramente ruinosas consultas. Comportei-me exemplarmente. Fui trabalhar pela primeira vez em quase três semanas. O Sr. Hoffmann manifestou satisfação pela minha convalescença. Fiquei comovido, mas não chorei – nada mau. Nesse mesmo dia (8 de janeiro), decidi-me enfim a folhear a Internet, para poder pôr um nome na lápide do inimigo vencido. Podia ter-se tratado de uma de duas coisas, parecia: ou tinha tido uma crise de pânico ou sofria de doença bipolar. A segunda hipótese tinha um poor outcome, pelo menos sem tratamento médico pesado e doses cavalares de lítio. Optei pelo mal menor – ataques de pânico: what ifs, quase desmaios, palpitações... batia certo. A valeriana, no entanto, era afinal um placebo, e deixou imediatamente de produzir qualquer efeito; o passeio que tentei dar no dia seguinte (também a conselho da irmã do Miguel, que tinha posto a hipótese de que o problema fosse a chamada “seasonal affective disorder” – acrónimo “SAD” – e tinha sugerido banhos de Sol à beira do tejo) foi desastroso. Tinha passado do pânico ao terror. Os diques tinham cedido de vez, e a torrente dos medos tinha arrasado tudo o que se atravessara no seu caminho: depois de ter por milagre chegado ao Terreiro do Paço, precisei de apanhar um táxi para voltar a casa. A contemplação do rio (“beautiful but boring”, como dizia o outro) tinha gerado uma ideia fixa – a de como deveria ser bom estar morto. Paz e sossego. Nem medo, nem desejo. A Wikipedia chama ao fenómeno “suicidal ideation”: é uma bela expressão. No meu caso, era um regresso ao passado: entre os 18 e os 21 ou 22 anos, eu não tinha feito outra coisa; a diferença era que agora, tendo os meus pais em Lisboa, seria fácil, com um verdadeiro arsenal à minha disposição a 5o metros de casa (o meu pai coleccionou armas durante muito tempo, e tem-nas às dezenas). Meter uma bala na câmara, enfiar o cano na boca - a experiência é desagradável: o metal é frio, sabe a óleo e cria uma sensação semelhante à que se tem quando se toca com a língua no pólo de uma pilha, mas a fracção de segundo entre o premir do gatilho e o nada não deixa tempo para arrependimentos - nada de what ifs... Perfect. Quem decidisse ficar por cá que se amanhasse.
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