sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Graduellement, pendant que durait cette épreuve d’humiliation, je sentais mon amour-propre, déjà prêt à me quitter, s’estomper encore davantage, et puis me lâcher, m’abandonner tout à fait, pour ainsi dire officiellement. On a beau dire, c’est un moment bien agréable.

Gradualmente, enquanto durava aquela prova de humilhação, eu sentia o meu amor-próprio, já pronto a deixar-me, esbater-se ainda mais, e depois largar-me, abandonar-me por completo, digamos assim, oficialmente. Digam o que disserem, é um momento bem agradável.

Céline, Viagem ao Fim da Noite



É verdade, amigas e amigos. Pouco há que se compare à ablação – cirúrgica ou em resultado de traumatismo – do amor-próprio (agora diz-se auto-estima... também serve) para libertar the subject (Marachuk, John J.) das peias, estorvos e embaraços que as convenções sobre o que é ou não socialmente (e, se calhar, moralmente) aceitável lhe (ao subject) impunham. Mais umas semanas sob a chuva ácida do Freeport, e o Sócrates abandonará quaisquer pretensões de seriedade e transformar-se-á (em obediência ao imperativo Nietzschiano – porra, este custou!), naquilo que é – um rabetolas vaidoso e corrupto. A travessia do Rubicão pode fazer-se por muitos motivos, mas once you’re across, there’s no going back. Há um fim da noite à espera de todos aqueles que o desespero força a dar o primeiro passo (mas o ver nascer o Sol não é garantido a ninguém). A minha viagem, comecei-a há mês e meio – dia 16 de Dezembro to be precise – a arder em febre graças ao H3-qualquer-coisa que a minha Mãe tinha feito o favor de me trazer da Serra da Estrela. A partir daí, desabou tudo (ou seja, colapsou) – deixei de conseguir comer ou fazer ginástica, deixei de conseguir trabalhar, deixei de conseguir impedir-me de passar a meia-dúzia de horas diárias em que conseguia arrancar-me da cama sem a passar (a meia-dúzia) a limpar a casa e a mudar a roupa da cama como um maníaco. Deixei, em suma, de ser o Miguel generoso e enérgico que a vizinhança aprendeu nos últimos anos a admirar e (ouso dizê-lo), amar – o S. Miguel à Lapa – para me transformar num animal doente, ranhoso, suado, cambaleante, de termómetro permanentemente enfiado na boca, coberto de andrajos mal-cheirosos e incapaz de encadear de forma coerente duas ideias simples... Ah, a miséria que é o corpo, com as suas excreções, secreções, exsudações, exigências ridículas de sustento e de repouso, com a sua desavergonhada chantagem sobre a mente – trata de mim ou morre comigo. Um mês depois, o corpo estava mais ou menos reparado – o material tem sempre razão, e a medicina tem ainda limitações que envergonham o engenho humano, Marachuk, John J. died during the procedure... estava funcional, nada mal – mas o meu cérebro estava em plena tempestade, prestes a soçobrar definitivamente nos abismos da loucura. Falava sozinho permanentemente (ao ponto de ficar rouco); passava horas a fazer listas mentais dos medos que me paralisavam – aquilo que os psiquiataras chamam “what if scenarios”: vou a andar na rua... alguém me pede um cigarro... me pergunta como se vai para as Amoreiras... um carro swerves off the road e atropela-me (o que tinha acontecido umas semanas antes)... a fachada do prédio em demolição cai-me em cima... escorrego na puta da calçada portuguesa e dou de vez cabo do meu bum shoulder (o esquerdo)... fico atrás de uma rapariga bonita na fila do Pingo Doce e venho-me... Fico atrás de um gajo bonito na bicha do Minipreço e venho-me... Encontro faces from the past, gente que me conhece os segredos (too many secrets – como no sneakers – mau filme, good line), e sou desmascarado... Enfim, you get the idea... (continua, mas não hoje)

2 comentários:

  1. descricao arrepiante. espero que a segunda parte seja a descrever como tudo isto foi ultrapassado...

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  2. excesso de amor-próprio pode causar cegueira. por isso é bom amar o próximo (ou a próxima, para "duplicar as hipóteses", citando alguém). como esta vida não é um ensaio geral (temo que seja um espectáculo único), seria bom abrir as janelas e gritar "aqui vou ser feliz" (agradeço ao banco Mmillenniumm a tirada programática, apesar de uma linha de crédito ser mais um obstáculo do que uma condição prévia).

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