sexta-feira, 31 de julho de 2009

Alexander sat down and cried because there were no more worlds to conquer

O meu pai cita muitas vezes um trecho de uma carta do Fernando Pessoa a não me lembro quem, em que, a propósito sabe Deus de quê, Pessoa escreve que “os sinos da minha aldeia são os da Igreja dos Mártires, ali ao Chiado”. Não sei a que propósito vinha a frase original; quando o meu pai a cita, é sempre no contexto do seu (dele, do meu pai, não do Pessoa) amor pelo Chiado, pela Baixa, por Lisboa. Quando não vivia na prodigiosa capital deste país prodigioso, o meu pai ardia por ela de um amor intenso e esgotante, que em visitas de fim-de-semana aproximadamente mensais o fazia passar infindáveis horas a calcorrear as famosas (qual Roma!) colinas – as da Baixa, especialmente, em marchas forçadas queirosianas (não flanava, trotava, do Passeio Público – a Avenida da Liberdade – à Casa Havaneza), mas também a do Castelo, em sábados madrugadores de feira da ladra, condescendendo mesmo, por tardes preguiçosas e soalheiras de estio, em baixar às planuras de Belém e Pedrouços (despovoadas por deprovidas de areais plagiformes e centros comerciais de ares superiormente condicionados), em peregrinação, inicialmente, às relíquias arqueológicas da Exposição do Mundo Português (“Mundo Português” – a ideia é assustadora...) de 1940 e, fatidicamente, por ficar para aqueles lados, ao Museu de (é “de”, não “da”) Marinha. O amor por Lisboa – uma absurda perversão denominada olissipofilia – passou de maçador (o preço pelas ausências de horas que os passeios de Ulisses implicavam era ter de lhe ouvir o relato circunstanciado das odisseias, complete with “depois, meti pela rua agora chamada de X, mas que no século XVIII era conhecida como zzzzzzzzzz...) a dispendioso, por se manifestar na aquisição de quadros, gravuras (serigrafias, litografias, coisografias de toda a estirpe) e de sebentas, compêndios, cartilhas, cartas (mapas) e cartapácios desconjuntados, tudo versando, naturalmente, sobre olissipografia. Mas um mal nunca vem só: uma curiosidade pelas coisas náuticas concebida sem pecado à beira-Tejo e nas solitárias salas do Museu citado desaguou (boa escolha de verbo) no interesse pelos “instrumentos científicos” relacionados: vieram as "obras de referência", depois, claro, os objectos, primeiro timidamente, depois em massa: quadrantes, sextantes, octantes, miras, escópios de diversas grandezas, bússolas, agulhas – de marear –, higrómetros, barómetros, odómetros e uma infinidade de outros coisómetros). O interesse fez-se paixão: louças e casquinhas cómico-marítimas (chávenas, pires, pratos, travessas, terrinas, molheiras, bules, cafeteiras, mas também saboneteiras, lavatórios, jarros e até uma casa-de-banho de cabina inteira). Não podiam faltar – não faltaram – modelos a várias escalas de embarcações de todos os géneros e épocas (clippers do chá, carracas quinhentistas, barquitos de pesca bretões e navios-baleeiros da Terra-Nova, galés reais, paquetes transatlânticos, fragatas trafalgantes e couraçados jutlantes), mais os modelos dos respectivos aparelhos e apetrechos – âncoras, botes salva-vidas, artilharia... When possible, the real thing: um par de rodas do leme, um telégrafo (o objecto cónico em metal encimado por um semicírculo com uma alavanca -“comunicando à casa das máquinas a partir da ponte a marcha desejada do navio” – que sempre se recusava a obedecer ao capitão Haddock), que le grand cric me croques, remos, roldanas, bóias, lanternas, vários metros (e dezenas de quilos) de uma corrente de âncora, uma multidão de objectos flutuantes e submersíveis não identificados. Com o passar dos anos, a gama das curiosidades-interesses-entusiasmos-paixões foi crescendo... A livralhada sobre os navios a vapor não se calava sobre o desenvolvimento paralelo do comboio. Foi uma iluminação: começou a chegar da Baixa sobraçando calhamaços sobre caminhos-de-ferro. Não tardaram a acumular-se comboios e locomotivas eléctricas, miniaturas (funcionais) de máquinas a vapor, lancheiras de guarda-freios (juro), bonés de maquinistas; instalou linhas em duas divisões de dois apartamentos no mesmo prédio (para ter onde meter a tralha, fora expandindo a carteira imobiliária), e depois no anexo da casa onde passávamos férias... E atenção: o homem, quando descobriu Lisboa, já era coleccionador de monta (bibliotecas queirosiana e napoleónica – centenas de volumes, uma e outra –, soldadinhos de chumbo, facas e baionetas e pistolas e revólveres e caçadeiras e espingardas suficientes para equipar uma pequena milícia, estojos de desenho, instrumentos de topografia...). Lisboa limitou-se a levar ao absurdo a compulsão completista. Cada entusiasmo adjacente aos outros exigia bibliografia própria, gerando por sua vez (danos colaterais...) novos interesses, numa reacção em cadeia irreprimível que ia atafulhando as estantes, as paredes, os soalhos, transformando em tenebrosas e poeirentas masmorras, despensas, casas-de-banho secundárias, quartos, salas, enfim uma casa inteira, numa invasão impiedosa e imparável: como ele próprio dizia, sorrindo, satisfeito consigo mesmo, era “coleccionador de tudo”. Só faltava entregar-se todo a Lisboa, para consumar o grande, o maior dos amores. Reformou-se. Lá vieram (ele, as suas colecções, a minha Mãe, que já estava havia muito reformada, mas que nunca se conformara à ideia de abandonar tudo por Lisboa). Foi há dois anos. De então para cá, admite-mo por vezes ele próprio, foi uma vez à Feira da Ladra. Nem uma ao Museu de Marinha. Já não vai em busca da Lisboa antiga; pôs de lado as idas ao Museu Militar, o roteiro dos prémios Valmor, a busca pelos vestígios da arquitectura do ferro ou da arte nova e o prazer masoquista (que o lançava em indignadas e deliciadas diatribes contra os cafres deste país de cafres, enfim pior que a Bulgária) em ver desfazer-se, em risco de “colapsar”, como deve agora dizer-se, o melhor da pobre arquitectura da miserável capital deste país miserável... Lisboa traiu-o. Tem carros a mais, gente a mais, barulho a mais, dias úteis e dias sem praia a mais. É quente, é fria, chove dentro dela, tem correntes de ar. O meu pai não sai de casa há dois anos. Bebe, fuma, deprime-se, amua, entre as ruínas cobertas de cinza, pó e nada das suas colecções. Já não quer, já não consegue lisboar. É verdade o que dizem: não deve voltar-se a um sítio onde se foi feliz (ou onde se acreditou que ser feliz seria possível). You can never go home again.

terça-feira, 30 de junho de 2009

Não vire as costas...

...à disfunção eréctil. Vim aqui check the action. No action. No problem. E dei de caras, so to speak, com um dos anúncios em que este meu blog é fértil (em geral a produtos de emagrecimento, créditos por telefone, etc.), e que, com a extraordinária afluência de público que o caracteriza, me hão-de em breve tornar rico. "Não vire as costas à disfunção eréctil". É boa. Think about it. Tenho disfunção eréctil - um supônhamos. Sinto-me abatido, na fossa, de crista caída, cabisbaixo (get it?). Entro em negação - seguindo o modelo Kübler-Ross (denial, anger, bargaining, depression, acceptance)... Viro as costas à disfunção coiso... Shit. Cá está ela, à minha frente, como de costume. Virar-lhe as costas é tão difícil como encarar bem de frente furúnculos no rabo. Exige talentos de contorcionista ou de miúda do exorcista. Ou exigiria - lembremos, tratava-se de um supônhamos. Na verdade, essa é uma das poucas disfunções que persistem em escapar-me: se posso queixar-me de alguma coisa, nesse campo (para além de da falta de action), é de hiperfunção eréctil (talvez, come - get it? - to think of it, por causa da falta de action). Priapismo. Sou um sátiro, um verdadeiro deus-pan à espera da sagração da Primavera, cascudo e cornudo, de olhinhos lúbricos sempre alerta, sempre à espreita... Ó ironia cruel, ó Deus-deus que dás nozes a quem não tem dentes... E pronto(s). Melhores dias virão (mas só depois de virem piores).

sexta-feira, 19 de junho de 2009

¿Que es más macho?

Pineapple o knife? Acordei a cantarolar "Smoke Rings", da Laurie Anderson... A Laurie é casada (ainda?) com o Lou Reed, mas no tempo, in illo tempore (há mais de 20 anos), em que eu a considerava, kind of, a mulher ideal - bonita (é discutível, bem sei), inteligentíssima, criativa, espirituosa (tudo indiscutível), era uma miúda livre (acho eu), e talhada (achava eu) para um gajo ideal (all of the above a propósito da mulher ideal, menos a beleza). Claro que ela frequentava a cena downtown de Nova Iorque, enquanto eu, fora para ir (de dia) à Contraverso, não punha os pés sequer no Bairro Alto (que era a cena downtown NY de Lisboa). Não obstante esse pequeno obstáculo de falta de intersecção dos nossos círculos sociais, a minha imaginação - nesse tempo, tinha alguma imaginação - era bem menina para nos fazer dar de caras um com o outro... enfim, não sei onde nem em que circunstâncias (foi há muito tempo, in illo tempore), mas com resultados cupídicos inevitáveis. Só para clarificar: eu não levava a capa do Big Science (era um LP - uma rodela de plástico com um diâmetro de 30 cm, for those of you out there que ainda não tinham nascido - capa, portanto, a condizer) para a minha modesta casinha-de-banho na minha modesta casinha ali ao cemitério da Ajuda (tenho queda para moradas próximas de cemitérios; agora ironicamente, do dos Prazeres - a minha última morada?) para obter a solitária gratificação que, então como hoje, era o alfa e o ómega da minha vida sexual; não: eu e a Laurie éramos soulmates (nesse tempo, tinha alguma alma, ou se calhar, era a minha imaginação a arrebatar-me), e o nosso amor vindouro era uma coisa pura, elevada, espiritual (o resto viria a suo tempore, em Latim macarrónico). And what is the point of all this? E porque é que tantas línguas bárbaras se sucedem neste arremedo de o que quer que isto seja, e porquê tantos travessões, parênteses, boxes within boxes, reticências (...)? Não faço ideia. Eu e a Laurie temos certamente uma coisa em comum agora - estamos velhos, gastos, acabados, uns cavacos (do Lou Reed nem falo). Cupido não chegou a fazer de nós um Kebab; arrastei-me pelo BA, durante anos, mas não dei por lá de caras com a Laurie (apesar de ter espreitado, na Expo98, o Lou). Em NY, nunca estive nem estarei... Mas acordei hoje a cantarolar o smoke rings ("Desire! It's cold as ice and then hot as fire. Desire! First it's red and then it's blue, and everytime I see an iceberg it reminds me of you"), e dei por mim a pensar que deixei de pensar fosse em quem fosse, a concluir que I no longer love the way anyone holds their pens... and pen(pausa)cils... Mister Heartbroken, that's me.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

And now for nothing remotely different

...É o snake, ao que parece. Ao que parece, há perto de um mês que aqui não há action. Apetecer-me-ia dizer (fuck it - apetece-me, e que se foda o futuro do pretérito) que é a arte a imitar a vida, mas nem o que para aqui está pode ser qualificado como arte, nem a subtracção dos meus dias pode ser qualificada como vida... No action, em todo o caso, diz tudo. Há bons motivos para o silêncio. Fiz 41 anos. Razão tinha o paco bandeira (olá, paco, por onde tens tu andado?) ao falar da tortura dos 40. Everything falls apart (husker du): the sleep of the just tired (g. vidal) foi-se - nem me lembro da última vez que dormi bem; as dores - não as existenciais, mas as físicas - tornaram-se constantes (ombros, costas, dentes, cabeça): dor durante o dia, dor durante a noite, em configurações variadas (cabeça e costas, neste momento, ontem todas ao mesmo tempo) e diferentes intensidades, mas constantes... A sinusite, entusiasmada com a imprevisibilidade do tempo (calorão há três ou quatro dias, hoje a acenar com chuva-chuvinhá, por onde andas tu, linda de suzá?) came back with a fucking vengeance. Tem-me valido a música (na acepção mais lata, concedo)... É irónico que alguém tão impassível como eu goste tanto de música que vive nos extremos não só do espectro sonoro (entre os subsons e os infra-sons nada senão ruído branco) como nos do espectro emocional - ódio, pânico, luxúria, desespero. Melancolias, tristezas sussurradas, belezas funéreas (noutros tempos o pão meu de cada dia) parecem ter por inteiro perdido lugar no imenso vazio do meu ínfimo universo: nick drake, durutti column, blue nile, to name but three, por onde têm vocês andado? Tudo o que ouço poderia fazer parte da banda sonora dos gritos do munch (não dos do wes craven) e, no entanto, olhando para mim, eu (mais ninguém o faz), em cuja existência nos últimos anos nem o mais subtil dos instrumentos detectaria uma oscilação, um estremecimento, acabo sempre a perguntar-me se é por falta de alma (ânimo) que me empanturro assim de som e de fúria... O lado positivo de tudo isto é que, tendo começado esta jeremíada com a intenção de deixar um post-it (três linhas a ameaçar a chegada, um destes dias, de trinta) acabei por dactilografar uma coisa em forma de assim que, considerando a crise e as baixas expectativas de um público à beira da extinção, não me parece indigna de suceder às merdas solipsistas que a precederam...

terça-feira, 12 de maio de 2009

Discipline is his passion

O meu pai diz que só come por uma questão de disciplina. Ao ouvir-lhe a frase, nunca deixo de rir para comigo: o homem levanta-se (com grande relutância) às onze; às duas da tarde, já está geralmente com os copos; fuma duas dúzias de cigarrilhas por dia; passa todo o tempo em que não está deitado sentado; excepto nos quatro anos da tropa, nunca tomou um duche: o banho de imersão diário é um ritual de uma hora que assegura a transição da cama para a “deck-chair” (igual àquelas em que, nos transatlânticos de que tanto gosta, os passageiros da primeira classe tentavam enganar o enjoo) em que, refastelado, pouco depois do meio-dia, já está a beberricar o seu primeiro whisky; no que toca a alimentos sólidos, privilegia gelado, chocolate e bolachas, condescendendo (porque é pretexto para beber vinho) em petiscar uma fracção do que para ele cozinha a minha mãe (que também lhe lava e passa a ferro a roupa, lhe faz a cama, etc.). Sai de casa (não contando com as incursões bidiárias ao “Carrocel”, onde toma café, o único vício que admite ter, e, semanais, ao banco), meia-dúzia de vezes por mês – para ir à Baixa ou às Amoreiras comprar mais livros, mais dvd’s (e, em grande segredo, com dissimulações de correio de droga em aeroporto, mais comboios eléctricos); nunca entra num supermercado ou numa mercearia, nem, desde há uns meses, numa tabacaria – tudo o que bebe, tudo o que come, tudo o que fuma, é comprado por mim; nunca paga uma conta senão por meu intermédio – entrega-me os extractos e o dinheiro, e eu trato da chatice de ir ao multibanco... Esta descrição da vida dele (e, por implicação, da minha) suscita geralmente reacções do género “mas porque é que te sujeitas a isso? Ele que se desenrasque, que trate de si próprio!”. O problema é que ele não o faria; se eu me demitisse, o fardo transitaria (mais um) para a minha mãe, enquanto os suportasse (aos fardos e ao marido); depois, o homem arrastaria o tempo que lhe restasse a embebedar-se pelos cafés da vizinhança, como tantos alcoólicos... Antes de mais, “o homem” é meu pai: por absurda que seja a minha vida, a metade “Y” dela, devo-lha. Para além disso, quando morrer, é com o dinheiro que juntou (ele, essencialmente, que a minha mãe, poupada e sensata que sempre foi, era professora de liceu) que eu tenciono esperar (livre da tortura do trabalho – das de todos os trabalhos) pelo fim dos meus dias. Por isso aguento, e aguentarei o tempo que for preciso... Mas quando o ouço falar de disciplina, não posso impedir-me de rir...

terça-feira, 28 de abril de 2009

I'm the ugliest guy on the lower east side

Gosto, em matéria de gostos, do que é feio. Não sei em que raio de português é dito, mas é dito assim: quem o feio ama, bonito lhe parece. Comigo dá em crime e castigo, taxi driver, unknown pleasures. É a minha santíssima trindade estét(r)ica. Em livro, filme ou música, raramente li, vi e ouvi mais feio. Se do trio saltar para a escala das dezenas, o resultado é o mesmo – viagem ao fim da noite, morte a prestações, kafka, joseph conrad, lovecraft; a quadrilha selvagem, dead ringers, a mosca ou a laranja mecânica; tudo o que é joy division, early swans/sonic youth, neubauten, cabvolt, sunno)))... A bit of the old ultraviolence, a lot of plain old ugliness. Nem toda a gente concordará, nalguns casos, que “feio” lhes caiba como qualificativo (quem o feio ama, bonito lhe parece). No caso do dostoievski (perdão pelas minúsculas a todos os visados, supra e infra), a sensação de fealdade que sempre tive pode resultar da dificuldade de traduzir para línguas humanas o russo; no do conrad, do facto de a língua inglesa não ser a sua pátria; no do céline, do ódio transbordante e sulfúrico pela humanidade; no do lovecraft, da falta de (atenção...) craftsmanship, de “jeito” (era um profeta do mal absoluto, sem os recursos estilísticos que exprimir o mal absoluto deverá exigir – uma espécie de idiota iluminado, ou de poe sem o refinamento deste). Seriam explicações discutíveis, se necessidade houvesse delas; no meu caso não há necessidade de explicações e os gostos não se discutem: desordem (“disorder” – joy division), indisciplina, às vezes caos puro e simples, tocam-me mais que a beleza. Talvez seja por a primeira percepção “adulta” que tive de mim próprio ter sido a da minha falta de beleza: descobri-me feio muito novo (como muito novo me descobri inteligente e emocionalmente desligado, se não pior): o primeiro e inultrapassável desgosto da minha idade da razão foi essa fatal fealdade apercebida num clarão aos doze ou treze anos; daí por diante, apesar dos ocasionais desmentidos que por palavras (e actos) recebi de raparigas simpáticas (sympathetic), nunca mais me libertei da sensação fundamental de plain old ugliness; “feio” ficou como o primeiro adjectivo que me ocorre para definir-me. Os músculos e a magreza, a pose distante, a timidez vencida a copo, nada remediaram. Feio. As raras raparigas compassivas, mesmo aquelas que, mais que compaixão, sentiram (pouquíssimas) paixão, expliquei-as – e afastei-as – com o ditado impopular acima, e com o há gostos para (por) tudo. O drama (cada vez menos um drama, à medida que o tempo se vai esgotando), é que, no tocante (I wished) a raparigas, o meu gosto nunca foi menos que absolutamente convencional, académico: é a beleza canónica que nelas me atrai desde sempre (e as primeiras recordações que tenho dessa atracção estão entre as mais remotas que tenho – o meu primeiro ideal, a primeira estrela pornográfica da minha constellation of smut, foi a anita dos livros da dita), que me me prende, me cativa (no sentido saintexuperesco, que vai para além da mera sensualidade); simetria, graciosidade, feminilidade, cegam-me a todos os defeitos (ou simples ausência das qualidades que em abstracto prezo, como a da inteligência) que possam ter. Nada de muito original, num homem; infelizmente, parto do princípio de que elas me pagam na mesma moeda. Gosto do feio, mas não gosto de mim; não gostando de mim, quem gostará? É como no anúncio, mas sem final feliz.

domingo, 19 de abril de 2009

Facebook

Não é nada mau: segundo o facebook, tenho 18 amigos. Retiro a este razoavelmente impressionante total duas irmãs e dois cunhados. Uma das irmãs é "the special one", e um dos cunhados (adivinhem com qual das irmãs está casado...) é um amigo, mas são família, e decidi que família não conta. Tenho 14 amigos. Não, wait, há uma prima no lote. Marcha. 13. Não seria pouco, ainda assim, só que acabo de reparar que um dos sobreviventes é um tal "meninos do rio". Seja quem for, salta. Dos 12 que restam, um (uma) é a mulher de um (um). Simpática, inteligente, bonita, mas devo ter estado com ela uma dúzia de vezes na vida; sóbrio, creio que nunca. Parecem-me fundamentos para desqualificação. A contagem vai em 11... as faces de 6 dos quais não vejo há mais de dez anos. Eram part-time friends - apesar de três deles, se eu não fosse a pessoa (?) que era, terem podido ser mais que isso - e eu fiz (primeiro porque bebia, depois por ter deixado de beber) com que se transformassem em zero-time friends. 5. A coisa está a ficar desanimadora. Tenho de pensar bem antes de continuar a subtracção. Há uma Kitty. Amiga de uma irmã. Conheço-a há muito tempo. Tem valor sentimental. Daí a falar de amizade... Dos quatro resistentes, três são gajos. Ladies first. Foi o primeiro amor da minha vida. Foi o único amor da minha vida. Por ela, entre os meus dezoito e os meus 28, não teria havido nada que eu não me julgasse (convictamente) pronto a fazer. Mas não fiz nada que fizesse ou pudesse ter feito diferença. Se calhar (é o mais provável) não fiz nada. Nem teria valido a pena, concluí dolorosamente tarde (porque o amor, para além de cego, é burro), fazer o que quer que fosse - love does not conquer all, e em matéria de amor (como em de amizade, como em de quase tudo), eu estou muito abaixo do limiar de percepção por seres humanos. É a minha história triste; ela também tinha uma (e bem pior que a minha). Adiante. 3 gajos (como o álbum dos ZZTop). Um está em Macau, o outro em Oxford (ou Cambridge; same difference). Demos de caras uns com os outros há vinte anos, e durante os dez seguintes, partilhámos (hate this fucking word) tanta coisa que, quando se foram embora, foram-se embora. Há graus de intimidade que não suportam a distância; também havia muitos ressentimentos, muita agressividade, muita competição. Da intimidade nada ficou; do resto, sobrou o suficiente para impedir qualquer reaproximação. Cômputo final: 1. Que dispensa o Facebook. Para que estou então no Facebook? Para que ele me permita a ilusão ocasionalmente reconfortante de contar no mundo 18 amigos. O que não é nada mau.