domingo, 1 de março de 2009
Medo 2
Tudo isto a propósito de medo: fez sexta passada cinco semanas exactas desde o meu último dia à beira do abismo. Nessa sexta-feira, às quatro da tarde, no departamento, nas Petra, com ninguém senão a Mariola (a rapariga polaca que faz os bonecos - as opposed to me, autor dos dizeres), por companhia, uma tidal wave de tristeza abateu-se sobre mim, e, se não fosse ela (que me acompanhou - a pé, e sob chuva - até à porta da casa dos meus pais), a minha biografia teria acabado ali. Não tenho hoje - como não tinha então - explicação para aquilo. As horas anteriores tinham sido mais que relaxed, tinham sido joyful - Hoffmann estava em Berlim, e o Alexandre tinha-se pisgado à francesa (apropriadamente, já que é francês), logo depois do almoço. Não foi um ataque de pânico, não foi um episódio psicótico. Foi tristeza como nunca tinha sentido, como rezo para que nunca volte a sentir - uma sensação de isolamento absoluto, como se não houvesse no mundo não uma pessoa que gostasse de mim ou de quem eu gostasse, mas como se no mundo não houvesse uma pessoa para além de mim - senti que se naquele momento morresse, it would be not just just fine, but perfect. Se tivesse tido uma arma à mão (ou seja, se aquilo me tivesse acontecido em casa), tenho a certeza - como tive naquele momento - de que não perderia sequer um minuto a escrever uma suicide note (what would the point be, num mundo inteiramente vazio?). O medo que senti de me deixar ir foi suficiente para pedir à Mariola que me desse uma boleia (e que se certificasse de que eu não me chegava à estrada, onde cada carro que passasse seria uma tentação quase irresistível). A letra dos Thin White Rope que transcrevi fui buscá-la por isso - porque ela olhou para mim e viu o pavor nos meus olhos (he works and he smiles - coisa que eu estava a fazer até lhe pedir que me salvasse - but if you look closely, there's still something scared in his eyes...). Quando me despedi dela, já em segurança, a nuvem tinha passado. Todo o episódio não chegou a durar uma hora. Agradeci-lhe (e voltei a fazê-lo na segunda-feira seguinte): nunca tinha sido salvo da morte; o que ela fez foi simply that. Se não me tivesse levado a sério, se tivesse tido pressa em chegar a casa, alguma coisa importante para fazer, se tivesse sido simplesmente não egoísta mas comodista ou desinteressada, não tenho a menor dúvida de que estas linhas nunca teriam sido escritas (com o consequente empobrecimento do género humano). Voltando a essa sexta-feira: o dia estava feio. Eu idem - e gordo, to boot. Aparentemente, isso teria sido bastante para me fazer cortar todos os laços com a vida. É um chavão e um dos poucos que não são verdadeiros: a distância entre a sanidade mental e a loucura é pequena; para a maior parte das pessoas, é grande; para mim, apesar dos meus óbvios desequilíbrios, também; matar-me parece-me hoje (e pareceu-me pouco depois do que se passou) ridiculo. Mas há momentos de perigo, e surgem (pelo menos foi o caso, ali) sem o mais ínfimo pré-aviso. Tinha a Mariola comigo; foi a minha sorte.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
A mariola também já me ajudou. Na montanha do Gerês, esses conjuntos de pedras sinalizam caminhos e orientam os pastores e caminheiros pelos indeléveis trilhos que atravessam as colossais, primordiais lages graníticas onde vais ao encontro de solidão e oneness. A mim não sei se me salvou, mas permitiu-me continuar a ser errático, coisa que vim a encarar como bastante boa. Boa coisa que vejas o teu episódio dessa perspectiva. Elas também não sabem o que fizeram, tampouco se importam, simplesmente estão lá.
ResponderEliminar