terça-feira, 28 de abril de 2009
I'm the ugliest guy on the lower east side
Gosto, em matéria de gostos, do que é feio. Não sei em que raio de português é dito, mas é dito assim: quem o feio ama, bonito lhe parece. Comigo dá em crime e castigo, taxi driver, unknown pleasures. É a minha santíssima trindade estét(r)ica. Em livro, filme ou música, raramente li, vi e ouvi mais feio. Se do trio saltar para a escala das dezenas, o resultado é o mesmo – viagem ao fim da noite, morte a prestações, kafka, joseph conrad, lovecraft; a quadrilha selvagem, dead ringers, a mosca ou a laranja mecânica; tudo o que é joy division, early swans/sonic youth, neubauten, cabvolt, sunno)))... A bit of the old ultraviolence, a lot of plain old ugliness. Nem toda a gente concordará, nalguns casos, que “feio” lhes caiba como qualificativo (quem o feio ama, bonito lhe parece). No caso do dostoievski (perdão pelas minúsculas a todos os visados, supra e infra), a sensação de fealdade que sempre tive pode resultar da dificuldade de traduzir para línguas humanas o russo; no do conrad, do facto de a língua inglesa não ser a sua pátria; no do céline, do ódio transbordante e sulfúrico pela humanidade; no do lovecraft, da falta de (atenção...) craftsmanship, de “jeito” (era um profeta do mal absoluto, sem os recursos estilísticos que exprimir o mal absoluto deverá exigir – uma espécie de idiota iluminado, ou de poe sem o refinamento deste). Seriam explicações discutíveis, se necessidade houvesse delas; no meu caso não há necessidade de explicações e os gostos não se discutem: desordem (“disorder” – joy division), indisciplina, às vezes caos puro e simples, tocam-me mais que a beleza. Talvez seja por a primeira percepção “adulta” que tive de mim próprio ter sido a da minha falta de beleza: descobri-me feio muito novo (como muito novo me descobri inteligente e emocionalmente desligado, se não pior): o primeiro e inultrapassável desgosto da minha idade da razão foi essa fatal fealdade apercebida num clarão aos doze ou treze anos; daí por diante, apesar dos ocasionais desmentidos que por palavras (e actos) recebi de raparigas simpáticas (sympathetic), nunca mais me libertei da sensação fundamental de plain old ugliness; “feio” ficou como o primeiro adjectivo que me ocorre para definir-me. Os músculos e a magreza, a pose distante, a timidez vencida a copo, nada remediaram. Feio. As raras raparigas compassivas, mesmo aquelas que, mais que compaixão, sentiram (pouquíssimas) paixão, expliquei-as – e afastei-as – com o ditado impopular acima, e com o há gostos para (por) tudo. O drama (cada vez menos um drama, à medida que o tempo se vai esgotando), é que, no tocante (I wished) a raparigas, o meu gosto nunca foi menos que absolutamente convencional, académico: é a beleza canónica que nelas me atrai desde sempre (e as primeiras recordações que tenho dessa atracção estão entre as mais remotas que tenho – o meu primeiro ideal, a primeira estrela pornográfica da minha constellation of smut, foi a anita dos livros da dita), que me me prende, me cativa (no sentido saintexuperesco, que vai para além da mera sensualidade); simetria, graciosidade, feminilidade, cegam-me a todos os defeitos (ou simples ausência das qualidades que em abstracto prezo, como a da inteligência) que possam ter. Nada de muito original, num homem; infelizmente, parto do princípio de que elas me pagam na mesma moeda. Gosto do feio, mas não gosto de mim; não gostando de mim, quem gostará? É como no anúncio, mas sem final feliz.
domingo, 19 de abril de 2009
Não é nada mau: segundo o facebook, tenho 18 amigos. Retiro a este razoavelmente impressionante total duas irmãs e dois cunhados. Uma das irmãs é "the special one", e um dos cunhados (adivinhem com qual das irmãs está casado...) é um amigo, mas são família, e decidi que família não conta. Tenho 14 amigos. Não, wait, há uma prima no lote. Marcha. 13. Não seria pouco, ainda assim, só que acabo de reparar que um dos sobreviventes é um tal "meninos do rio". Seja quem for, salta. Dos 12 que restam, um (uma) é a mulher de um (um). Simpática, inteligente, bonita, mas devo ter estado com ela uma dúzia de vezes na vida; sóbrio, creio que nunca. Parecem-me fundamentos para desqualificação. A contagem vai em 11... as faces de 6 dos quais não vejo há mais de dez anos. Eram part-time friends - apesar de três deles, se eu não fosse a pessoa (?) que era, terem podido ser mais que isso - e eu fiz (primeiro porque bebia, depois por ter deixado de beber) com que se transformassem em zero-time friends. 5. A coisa está a ficar desanimadora. Tenho de pensar bem antes de continuar a subtracção. Há uma Kitty. Amiga de uma irmã. Conheço-a há muito tempo. Tem valor sentimental. Daí a falar de amizade... Dos quatro resistentes, três são gajos. Ladies first. Foi o primeiro amor da minha vida. Foi o único amor da minha vida. Por ela, entre os meus dezoito e os meus 28, não teria havido nada que eu não me julgasse (convictamente) pronto a fazer. Mas não fiz nada que fizesse ou pudesse ter feito diferença. Se calhar (é o mais provável) não fiz nada. Nem teria valido a pena, concluí dolorosamente tarde (porque o amor, para além de cego, é burro), fazer o que quer que fosse - love does not conquer all, e em matéria de amor (como em de amizade, como em de quase tudo), eu estou muito abaixo do limiar de percepção por seres humanos. É a minha história triste; ela também tinha uma (e bem pior que a minha). Adiante. 3 gajos (como o álbum dos ZZTop). Um está em Macau, o outro em Oxford (ou Cambridge; same difference). Demos de caras uns com os outros há vinte anos, e durante os dez seguintes, partilhámos (hate this fucking word) tanta coisa que, quando se foram embora, foram-se embora. Há graus de intimidade que não suportam a distância; também havia muitos ressentimentos, muita agressividade, muita competição. Da intimidade nada ficou; do resto, sobrou o suficiente para impedir qualquer reaproximação. Cômputo final: 1. Que dispensa o Facebook. Para que estou então no Facebook? Para que ele me permita a ilusão ocasionalmente reconfortante de contar no mundo 18 amigos. O que não é nada mau.
terça-feira, 14 de abril de 2009
sábado, 11 de abril de 2009
Têm preocupações, pequenas e grandes – estacionar o carro, fazer o dinheiro chegar para um tudo feito de cada vez mais coisas, aturar o emprego que pode acabar a qualquer momento, educar os filhos, aguentar um casamento gasto, esgotado, sem desejo, sem nada senão as preocupações a ampará-lo... Têm alegrias: aniversários, o clube que ganhou e está na luta pelo título, roupas novas, um creme ou uma dieta que funciona, não notas?, os dias bonitos que pedem praia, saídas com amigos, as férias, uma ou outra noite como no início, um gesto irreflectido de ternura, às vezes nada, só vontade de sorrir... Antecipam, em conversas de que apanho fragmentos, os prazeres e as contrariedades; alegram-se, riem, enervam-se, algumas choram, outras enfurecem-se, fazem planos, sonham mudar de vida, refazem os planos, a vida continua, esquecem os planos, esquecem-se de que fizeram planos, vivem. Cruzam-se comigo pelas ruas, a pé ou de carro, impacientam-se atrás de mim ou à minha frente em filas nos supermercados, bebem café ou cerveja, gozam o sol, sentadas umas com as outras em esplanadas, cochicham, preocupadas ou contentes, fumando, à porta de lojas, de escritórios, de centros comerciais... As da vizinhança foram-se habituando a mim, sempre sozinho, sempre apressado, sempre educado, novo ainda mas mais velho, sorridente ainda, mas mais triste. Chegámos aos bons-dias e boas-tardes, fomos dizendo umas coisas sobre o tempo, sobre futebol, sobre nada. Algumas, mais distraídas, tomam-me por uma delas, outras, suponho, fingem fazê-lo. À noite, ocasionalmente, apanho-lhes as silhuetas em contraluz enquanto jantam em família; depois vêem televisão (é o que significam os clarões intermitentes na semiobscuridade das salas). Mais tarde, ouço-as baixar persianas; se olharem para as minhas janelas, verão os clarões intermitentes na minha sala, ou, mais tarde, só a escuridão. Todos os dias janto, vejo televisão, durmo. Os meus dias acabam, como os das pessoas, todos os dias. Um dia, agarrando no que lhes resta de memória, todas fazem um balanço: os carros que foram mudando até não haver nenhum, o dinheiro que nunca chegava mas que foi chegando, o emprego que até deixou saudades, os filhos que tiveram filhos, o casamento que aguentou afinal tudo menos a morte... O meu balanço está feito há muito; é curto, guardo-o para mim. Quando a soma do tempo se aproxima do zero, e tudo se embota e se faz difuso, à beira do fim é frio o que se sente: está sempre frio. Para quem quis viver como para quem se limitou a ver, a única coisa, a última coisa antes do fim é o frio.
quarta-feira, 1 de abril de 2009
Tout comprendre, c'est tout pardonner...
Um esclarecimento: não referi mulheres em contraposição a guineenses/ucranianas; as g/u em questão são mulheres, mas já têm emprego - limpar as casas das mulheres que tiveram de arranjar emprego para se livrarem da ingratidão não remunerada reservada às donas-de-casa. Quanto aos preconceitos cujos miasmas pestilenciais o subtil nariz da Clara detectou por aqui, são incontáveis, quase universais, mas fazem de mim mais um misantropo que um misógino. Avalio a Humanidade tomando como padrão o único ser humano que conheço verdadeiramente - eu -, e não podia deixar de sentir por ela (a Humanidade), senão desprezo, ou pior. Em todo o caso, sempre me permito notar que, há não muito tempo, a Clara demoliu um segurança por lamber a mão que o alimentava (a do DOUTOR BALSEMÃO), mordendo a da Clara - Clara essa que não deixou, entre considerandos de vária ordem indicativos do primarismo, mesquinhez e falta de criatividade e de inteligência que constituem invariáveis atributos dos rentacops, de salientar, depois de mencionar quão mal paga é no seu (criativo, quand-même) trabalho, as dimensões colossais do BMW paternal (para que não houvesse confusões)... A Clara estudou num colégio de freiras, e deve as suas pernas de tânagra ao ballet (o securitas foi até ao antigo nono ano em Chelas, e deve o rabo gordo a estar sentado o dia inteiro diante de um monitor de cctv). Se o lambe-botas for despedido, acaba no Linhó depois de uma curta carreira como carjacker de pessoas como o pai da Clara; se a Clara for despedida, diz-me a subtil (e bífida) língua que me serve de nariz, acaba, na pior das hipóteses, a dormir na garagem da casa (talvez não tão grande como a do DOUTOR BALSEMÃO) onde o Pai abriga o seu BMW gigantesco (e a mãe deita o seu Audi ou Mercedes)... Enfim, há sempre uma pedra a jeito quando passamos por casas com telhados de vidro - no caso da minha casa, bem sujo.
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